em algum momento desse ano eu fui ao Masp em uma terça-feira à tarde. almocei no excelente (e caro) restaurante que fica ali dentro do Museu, A Baianeira, com duas amigas. destilamos algumas fofocas, rimos, contamos histórias sobre as nossas vidas.
depois de comer, duas de nós visitamos as exposições que estavam em cartaz naquele momento. uma delas trazia 61 pinturas de Abdias Nascimento. esse era um nome que eu já tinha ouvido ou lido em alguns lugares. de maneira bem vaga, achava que sabia quem era Abdias… um ator que também pintava, algo assim? quase, também, mas não só.
nos textos das paredes da exposição descobri que Abdias Nascimento nasceu no interior de São Paulo e tinha sido artista, ativista, escritor, dramaturgo, ator, diretor de teatro, poeta, jornalista, professor universitário, deputado federal e senador. o cara foi um baita intelectual, tem uma relevância incrível para o pensamento brasileiro e latinoamericano e eu não sabia de nada.
aqui é preciso contar - se você ainda não descobriu - que Abdias era um homem negro. ou, como estava no título da exposição: um panamefricano. isso, por si só, já explica muito (ou quase tudo) do porquê de não fazermos seminários sobre ele na escola, de não ter caído uma questão sobre ele nos vestibulares que eu prestei e ele não estar entre os autores lidos na maioria dos cursos de ciências humanas. mas não pretendo me deter na questão racial nesse texto - outros poderão fazer melhor do que eu.
o que está martelando na minha cabeça esses dias é o tempo investido na curadoria de uma exposição. há ali um tempo e uma energia despendidos na formação do olhar, do gosto, do conhecimento de história e arte, de estética. na escolha de quem vai fazer parte de uma exposição e de quais obras, em qual ordem, em quais espaços. qual será a experiência de quem passará por aqueles corredores e paredes.
me parece algo tão distante do que vivenciamos hoje nas redes sociais. de acordo com um post que eu vi hoje, as redes sociais estão chegando ao fim e estamos entrando na era das recomendações. veremos aquilo que o tal algoritmo acha que queremos ver, de acordo com nosso comportamento - uma espécie de bola de neve sem fim.
seja o algoritmo ou as pessoas que eu acompanho, todos estão me indicando séries para ver, livros para ler, looks para eu vestir, restaurantes que eu tenho que conhecer. e eu faço o mesmo: indico, recomendo, compartilho. tudo isso em uma velocidade impossível de garantir uma curadoria - da parte de quem indica e de quem recebe a indicação.
o que vai acontecendo é a perda gradual da experiência.
fazemos muito, pouca coisa fica em nós.
essa exposição do Abdias ficou em mim. suas cores vivas, os símbolos e ícones ligados às religiões afro-brasileiras, a sensação que tive em cada sala que entrei, todas pensadas de acordo com um recorte temático que, de alguma forma, fazia sentido para quem via.
enquanto fui escrevendo esse texto, me lembrei de um texto chamado Notas sobre a experiência e o saber de experiência, do espanhol Jorge Larrosa Bondía. não teria como terminar esse texto sem ser citando-o:
“A experiência é o que nos passa, o que nos acontece, o que nos toca. Não o que se passa, não o que acontece, ou o que toca. A cada dia se passam muitas coisas, porém, ao mesmo tempo, quase nada nos acontece. Dir-se-ia que tudo o que se passa está organizado para que nada nos aconteça. Walter Benjamin, em um texto célebre, já observava a pobreza de experiências que caracteriza o nosso mundo. Nunca se passaram tantas coisas, mas a experiência é cada vez mais rara.”
até a próxima,
Carol
ps.: a ideia dessa carta surgiu da última newsletter da Babi e a conversa que tivemos nos comentários do texto. indico a leitura - sim, mais uma indicação!
Vi esse post de Instagram que você comenta (lá no seu perfil, inclusive haha) e quase escrevi sobre o mesmo tópico. Comecei e quando me dei conta, estava escrevendo sobre inadequação - daqueles atos falhos, que, pensando agora, fazem todo sentido! É tanta coisa sendo recomendada, chancelada, empurrada goela abaixo que ter um outro tempo, um outro gosto, uma outra foram de experimentar acaba nos fazendo sentir inadequados...
É uma pena que Abdias seja tão pouco conhecido. Segue uma ótima reportagem sobre uma parte do que ele foi e sua importante luta contra o racismo:
https://www12.senado.leg.br/noticias/especiais/arquivo-s/senador-abdias-nascimento-uma-vida-dedicada-a-luta-contra-o-racismo