oi… tem alguém aí?
estou o dia todo pensando em uma mesa da minha infância. ela ficava coberta com uma toalha que poderia ser branca, mas ficava colorida porque estava lotada de doces dos mais variados tipos. no centro, um grande bolo com cobertura também branca (chantilly?), lotado de pequenas bolinhas prateadas comestíveis. no último andar do bolo, olhando cada uma das crianças, ficavam dois bonecos de pessoas iguais entre si - mas com roupas tão diferentes das nossas.
essa é uma imagem que vivi durante anos, quando morava em uma rua em que todos se conheciam e frequentavam a casa uns dos outros. cantávamos um “parabéns” animado, mas nunca soube de quem era o aniversário. somente anos mais tarde fui entender o significado daquela festa.
Regina, a vizinha que morava na casa ao lado da minha, todos os anos, em setembro, preparava uma festa para Cosme e Damião. convidava todas as crianças da vizinhança, que lotavam sua casa de gritos, suor e brincadeiras - do jeito que erê gosta, diriam alguns. saíamos de lá chapados de tanto açúcar. e ainda levávamos para casa um saquinho de “lembrancinha” com tesouros preciosos: guarda-chuvas de chocolate hidrogenado, saquinhos de arroz doce cor de rosa, dadinhos de amendoim.
agora mesmo consigo sentir o gosto da maria-mole que a Regina fazia, o côco ralado envolvendo aquela massa macia e melada.
um amigo meu que nasceu na Bahia, em seu primeiro ano morando em São Paulo, passou o dia de Cosme e Damião bem triste por saber que não iria ter os rituais com os quais aprendeu a viver neste dia. segundo ele, quando moleque, era comum irem de casa em casa comendo caruru preparado para os santos. os erês costumavam aparecer, a criançada se divertia. era pura alegria. depois saíam pelo bairro gritando: “queimado, queimado”. atendendo aos pedidos, os moradores jogavam balas pelas janelas.
na época, nós trabalhávamos juntos em um escritório que ficava em um sobrado. nos juntamos na equipe para comprar balas, que foram jogadas pela janela de um dos cômodos para esse meu amigo que, feliz, gritava: “queimado, queimado”.
eu não acredito em santos e orixás - pelo menos não como guias espirituais, porque sei que eles existem, independentemente da minha fé relutante. mas eu acredito muito nos encontros de gente que se reúne em torno do bolo confeitado pela vizinha com bolinhas prateadas feitas de corante e açúcar, de um prato ancestral preparado por mulheres que já viram muito mais do que uma vida pode comportar ou de balinhas atiradas aos que tiverem fé para participar.
até a próxima,
Carol
Belo texto, Carol!
Eu cresci numa casa evangélica. A família me obrigava a jogar fora os saquinhos entregues na porta da escola, porque não "eram de Deus". Quando vejo alguém que construiu uma história minimamente positiva com essa data, eu celebro. Hoje, também me considero de fé relutante, porém consigo ver a riqueza no encontro de tantas crenças e culturas - assim como o próprio país que habitamos. Perde quem fecha os olhos pra isso.