oi… tem alguém aí?
se um dia você quiser bagunçar a vida de alguém, tenha um relacionamento com essa pessoa. qualquer relacionamento, pode ser afetivo, romântico, amizade, até colegas de trabalho. pessoas, no geral, nascem com a capacidade inata de bagunçar a vida de outras pessoas.
agora, se um dia você quiser REALMENTE bagunçar a vida de alguém, decida ter um/a filho/a. porque muito se diz do quanto um/a filho/a é capaz de bagunçar a vida de uma mãe ou pai, mas a gente também bagunça um tanto a vida dos bichinhos, né? a começar pela parte em que a gente coloca essas criaturas no mundo (no caso de mães e pais biológicos). de cara, essa é a maior bagunça que você pode fazer. mas aí, ao longo da vida, ao se colocar no papel de mãe de alguém (tendo parido este alguém ou não), há uma sucessão de bagunças infinitas que somos capazes de provocar.
ontem mesmo ouvi que os brasileiros consomem cerca de 30 kg de açúcar por ano, sendo que a OMS recomenda que nosso consumo seja de até 18 kg - o que já me pareceu uma quantidade bem bizarra, apesar de eu provavelmente estar mais perto dos 30 do que dos 18. mas aí a cabeça da mãe já pensa: quantos quilos de açúcar eu estou permitindo que a minha filha coma por ano? porque temos uma pseudo-regra aqui em casa de que doce só pode aos finais de semana, mas a flexibilidade é um valor importante, não é mesmo? hoje deixei ela comer um quadradinho de chocolate que a avó trouxe. será que esse pedacinho de gordura hidrogenada fantasiada de chocolate bagunçou a quantidade anual de açúcar consumida pela minha filha de quatro anos? jamais saberemos.
recentemente eu li o romance As sete mortes do meu pai que, logo no início, traz a frase: “eu sempre soube que meu pai deixaria tudo confuso quando morresse”. e foi assim que o autor já conseguiu, logo de cara, o alvará de construção de um triplex da minha cabeça. neste caso, não é só o luto, mas a burocracia: questões relacionadas à imóveis, ex-mulheres, inventários e, claro, sempre, dinheiro.
eu olho para a minha estante e conto quantos livros eu tenho que falam sobre a morte de uma mãe ou um pai. são muitos! me parece uma prova importante de que essa frase é praticamente universal. pais e mães se vão e deixam uma bagunça emocional e material tão grande que precisam ser escritas. surgem daí livros, filmes, músicas, peças de teatro. tem bagunça que você junta em um canto da casa, coloca em caixas separadas “para doação”, “lixo”, “reciclar”, “guardar”. mas “tem coisa que só sai da gente por escrito”, diz uma frase que caminha pela internet de vez em quando.
fico aqui pensando se o pediatra e psicanalista Donald Winnicott gostaria da minha divagação sobre a bagunça que mães e pais fazem na vida dos filhos. talvez ele me alertasse que, justamente isso também faz parte de ser uma “mãe suficientemente boa”. uma mãe que garante os recursos e afeto para que sua filha ou filho se constitua como sujeito, mas que não é perfeita, tem falhas. faz bagunça.
e se um dia estamos catando os cacos da bagunça que nossos filhos fazem em nossas vidas, misturados aos cacos da nossa bagunça na vida deles, no outro estamos sentadas na frente da televisão, com nossos pijamas de flanela e pantufas de pluma, aos 84 anos, ouvindo nosso filho dizer na frente de milhões de pessoas:
“mãe, acabei de ganhar um Oscar!”
até a próxima,
Carol
Texto lindissímo, me emocionei!
ai esse final! me encheu de lágrimas 🥹