oi... tem alguém aí?
em 2020 (alguém consegue ler esse número e não ter um arrepio na espinha?), eu fiz a oficina da Tayná, do Sutilezas Atômicas, chamada “escritas de mim”. depois de quase dois anos, ainda absorvendo tudo, ao reler o nome, me pergunto: existe escrita sem ser de mim?
Hannah Horvath é uma jovem de vinte e poucos anos escrita e interpretada pela talentosa e polêmica Lena Dunham na série “girls”. de alguma forma, Hannah é Lena e Lena é Hannah, isso a gente percebe logo de cara. a personagem é recém formada e mora em NY, onde tenta (sem muito empenho) ser escritora. é uma pessoa narcisista, centrada em si mesma. essa característica é jogada em sua cara em diversos momentos, pelos amigos e até parentes. revendo a série agora, eu sinto que a Lena vai se desenvolvendo e amadurecendo ao longo das temporadas e, se não deixa de ser autocentrada, consegue, pelo menos, olhar mais para os outros. mas a sua escrita continua centrada nela. e isso não é ruim.
o que as pessoas gostam na escrita da Hannah (e da Lena) é exatamente o fato dela se expor, dela descrever seus tiques e crises de ansiedade, falar sobre sexo, seu trabalho numa cafeteria ou uma recorrente infecção urinária. ao ponto de, em determinado momento, ela ser contratada justamente para escrever sobre situações possivelmente desconfortáveis ou inusitadas, como cheirar cocaína pela primeira vez ou fazer aula de surf com um bando de riquinhas dos Hamptons. tá aí uma pegadinha: ela passa então a escrever sobre situações vividas exatamente para virarem um texto com número de caracteres pré-determinado.
o episódio “american bitch”, da sexta temporada, é bem diferentão e se passa inteiro na casa de um escritor que a Hannah admira muito. não vou me alongar contando o que ela está fazendo lá, mas em determinado momento ele pede que ela leia algo que ele escreveu. ao terminar, ela pergunta: “isso é ficção?”. ao que ele responde: “alguma coisa é ficção?”.
quem também gosta muito de falar e escrever sobre si mesma é a Tati Bernardi, escritora e roteirista brasileira, cheia de podcasts de sucesso - eu ouço todos os que ela apresenta. em dois, dos três, ela fala essencialmente dela mesma. o outro é de notícias e aí cabe menos falar sobre ela. mas ela teve uma sacada genial: criou um podcast chamado “meu inconsciente coletivo”, no qual em cada episódio ela chama um/a psicanalista e eles simulam uma sessão de análise, como se a Tati estivesse no divã. conforme ela vai falando de amor, gozo, trabalho, relação com a filha, e a pessoa vai comentando do ponto de vista da psicanálise, você vai cada vez mais entrando na cabeça da Tati, mas também na sua própria cabeça.
em uma dessas sessões ela contou de uma “ex-amiga” dela que era muito chata, que vivia falando de si mesma e estava sempre espalhando as rodinhas por conta disso. segundo a Tati, a diferença entre ela e essa moça é que a Tati era engraçada, sabia falar de si de um jeito que as pessoas queriam ouvir. e eu vou ter que concordar com ela. toda semana, lá estou eu ouvindo ela contar mais alguma história ruim sobre a mãe dela.
no finalzinho de 2021 eu fiz uma aula de escrita com a Tati Sabadini. uma aula focada justamente na escrita de mulheres, na potência das mulheres que escrevem, escrevem de si, de sua vida, de seu mundo. dentre as tantas referências que a Tati trouxe, óbvio, não ficou de fora a multiartista Patti Smith. se você já leu os livros dela, sabe que ela fala de si. da banalidade da sua vida. onde gosta de ir toda manhã para tomar café, comer torrada com azeite e escrever. da vez que foi para Londres e ficou em um quarto de hotel assistindo uma série policial. trivialidades. sobre ela. e a gente ama ler.
talvez eu tenha escrito esse texto inteiro para dizer que, nestas cartas que eu envio a vocês, eu vou escrever sobre mim. às vezes vou tentar disfarçar mais, às vezes menos. mas vou escrever sobre mim e só espero não ser chata como a ex-amiga da Tati Bernardi.
até breve,
carol
Adorei, Carol. Muito gostosinho de ler, e ainda trouxe a musa Patti Smith logo de cara <3 Ansiosa pelos outros! <3
amando já <3