antes de se sentar no estranho banco redondo do parque, a senhora de chapéu tirou a calça (estava com uma bermuda por baixo) e as meias de compressão (aqui a cena me pegou). ficou um tempo de frente, um tempo de costas para o sol, enquanto mexia no celular com capinha de couro rosa. um misto entre o prazer do ócio de quem já se aposentou e a obrigação médica de obter vitamina d direto do sol da manhã.
era uma tarde de domingo. uma voz gritava, meio cantando: "xeretaaaaa, xeretaaaaa! cadê você, xeretaaaa!". na calçada, uma senhora de cabelos muito curtos e artificialmente vermelhos olhava para cima, para a copa das árvores, enquanto entoava seu canto para Xereta. a papagaia (eu conferi, essa palavra existe) respondia de longe, onde há um parque cheio de árvores que abrigam todo tipo de pássaros (pelo visto, até os que tem nomes). um homem, mais ou menos da mesma idade, se juntou a ela: “xeretaaaa, xeretaaa!”. um vizinho saiu na varanda de uma casa e se dispôs a verificar no quintal dos fundos. o casal, esperançoso, partiu rumo ao parque.
dias depois, vejo o homem na portaria do prédio em que deve morar com a mulher de cabelos vermelhos. estava com uma papagaia no ombro. eu seguro a vontade de gritar: “xeretaaaaa!”.
xeretaaaaaa!