oi… tem alguém aí?
desde que me lembro de refletir mais profundamente sobre a vida, uma das coisas que passa pela minha cabeça de tempos em tempos é: quem eram os meus pais antes de se tornarem uma mãe e um pai?
essa é uma pergunta que jamais saberei a resposta completa. por mais que minha mãe me conte de sua infância com as primas e de quando começou a trabalhar, por mais que meu pai me conte de quando morou fora do Brasil e do quanto, na escola, gostava mais de poesia do que de futebol, meu conhecimento sobre como viviam será sempre limitado.
recentemente, porém, mais um nível veio nesse meu pensamento: nós não sabemos quem são os pais e as mães mesmo quando já são nossos pais e mães. há uma camada de quem são essas pessoas que sempre nos ficará oculta.
tornar-me mãe foi, certamente, um dos propulsores para este pensamento. eu sou uma das presenças mais constantes na vida da minha filha, desde que ela veio ao mundo, há 5 anos. eu estou aqui quando ela acorda e quando ela vai dormir. ela sabe meu nome, meus trejeitos, conhece minha voz de longe e já sabe o que tira minha paciência, mas também o que me faz sorrir e querer transbordar de afeto.
mas ela não sabe que, em uma noite de verão, enquanto ela dormia com o corpinho largado na minha cama, eu chorei estendendo roupa no varal. uma mistura de exaustão e ansiedade diagnosticada. ela não viu, eu não contei.
nos últimos dias assisti alguns filmes que intensificaram essas questões em mim.
em Aftersun, uma mulher revive, por meio de filmagens feitas por ela mesma, a viagem de férias para a Turquia que fez com seu pai aos 11 anos. pelas cenas retratadas, é possível inferir que o pai estava em um momento de fragilidade, possivelmente com algum nível de um quadro de depressão. a filha, na fase mais pungente de amadurecimento, não consegue ver exatamente o que acontece, mas sente que há algo ali.
Anatomia de uma queda traz o julgamento de uma mulher suspeita de matar seu marido. Uma das principais testemunhas do caso é o filho do casal, um menino de 11 anos com deficiência visual que é exposto, ao longo do processo, a diálogos, fatos e suposições sobre o pai morto e a mãe suspeita de assassinato que serão reveladores de uma verdade incontestável: ele não sabe afirmar o que qualquer um dos dois seria capaz (ou não) de fazer.
o documentário Elis & Tom conta a história da produção de um dos álbuns mais icônicos da história da música, lançado em 1974 pela Elis Regina e o Tom Jobim. entre imagens reveladoras de bastidores e situações que destacam uma relação atribulada entre os artistas, algo que me chamou a atenção foi a entrevista de um dos filhos da Elis. a cantora morreu pouco antes de fazer 37 anos, quando os filhos eram crianças e adolescentes, o que me faz crer que, muito do que contam e relatam sobre a mãe em entrevistas - especialmente aquelas ligadas à mãe como cantora - são fruto de memórias construídas pelas imagens gravadas e de relatos de outros adultos da época.
se fizessem um episódio de Black Mirror sobre este tema, talvez o “plot” seria uma empresa que criou um aplicativo no qual você pode acessar cenas do passado do seu pai ou da sua mãe, assistindo-os como se fossem um filme. ao longo da vida, você pode acessar, no máximo, cinco cenas dessas - mediante um generoso pagamento, claro. é possível que os personagens acabassem acessando cenas apenas do passado em que eles mesmos já existissem na vida dos pais, tamanho o ego do ser humano? é bem possível?
da minha parte, posso continuar sem esse aplicativo (que eu mesma inventei). prefiro ficar com o mistério de saber em parte - a parte que me cabe - quem é minha mãe, quem é meu pai. e me reservo o direito de ser muitas nos momentos em que Catarina não me observa - e quando está na minha presença também, há de se dizer - sem que ela possa se dar conta.
até a próxima,
Carol
me lembro do dia em que me caiu a ficha de que, assim como eu, meus pais também já foram “apenas” jovens namorados, antes de casarem e terem filhos e me peguei imaginando quem eram eles naquela época com menos preocupações e responsabilidades… engraçado que antes desse dia, nunca tinha me passado pela cabeça que eles eram quem eu sou agora…
Adorei o texto. Eu tenho a mesma curiosidade. A história do meu pai eu consegui acessar melhor, mas a da minha mãe é um grande mistério.