oi... tem alguém aí?
breve lista de coisas que eu não sabia fazer, mas agora sei:
dirigir, cozinhar feijão, escrever ficção.
são atividades que eu, há muito tempo, dizia para mim mesma (e às vezes para as outras pessoas), de forma afirmativa e quase definitiva que eu não sabia fazer e tudo bem. mas não estava tudo bem. no fundo eu sabia que eu queria sim aprender a fazer essas coisas. mas nosso cérebro é um órgão complicado, ele arranja uns truques para nos levar a acreditar que não somos capazes de fazer certas coisas. e isso nem sou eu falando, é a neurociência.
essa área da ciência que estuda o cérebro tem feito descobertas bonitas. talvez a que mais me instigue seja a da neuroplasticidade. basicamente (se é que dá para tratar de forma básica algo complexo como o cérebro): esse órgão é capaz de adaptar e se modificar a partir de novas informações, experiências, aprendizagens. tem toda uma explicação que envolve sinapses e neurônios, que eu nem vou tentar escrever aqui.
o fato é que “nós não nascemos com habilidades fixas” e quem diz isso é a professora da Universidade de Stanford, super especialista no tema, Jo Boaler. no livro “Mente sem barreiras” ela ainda afirma: “o mito de que nossos cérebros são fixos e de que simplesmente não temos aptidão para determinados temas não é apenas cientificamente impreciso, ele é onipresente e afeta de forma negativa a educação”.
Jo Boaler é professora de Matemática e tem se dedicado a acabar com essa ideia de que existem pessoas que não conseguem desenvolver habilidades e aprender conteúdos relacionados a essa área do conhecimento. sabe como é, né? aquele papo de “não sei fazer contas, sou de humanas”. tudo ba-le-la. tudo fu-ra-da.
passaram a vida tentando nos convencer de que nossa aprendizagem é limitada, mas não é. e quando isso acontece dentro da escola ou da família - como muitas vezes é - o potencial de perigo é grande. o que os estudos têm mostrado é que o cérebro responde à forma como pensamos sobre nossos talentos e habilidades.
outra professora de Stanford, minha xará Carol Dweck, falava que algumas pessoas têm o que ela chama de "mentalidade de crescimento”, porque acreditam que podem aprender qualquer coisa. já outras pessoas têm uma “mentalidade fixa” e acreditam que sua inteligência é mais ou menos estável - até podem aprender coisas novas, mas a inteligência básica não muda. atualmente, ela ainda usa essas categorias, mas considera que todos nós temos mentalidades diferentes em momentos diferentes e lugares diferentes.
faz muito sentido, não? é claro que temos todo um contexto material, por exemplo, que deve ser levado em consideração quando falamos sobre esse assunto e ao pensar nos estímulos de cada lugar e momento da vida. de que forma uma menina pobre que ouve de seus professores e familiares que talvez não seja tão capaz de aprender matemática ou que não deveria tentar cursar uma graduação como física ou engenharia desenvolve uma mentalidade de crescimento?
esses termos podem parecer um pouco “papo de coach homem branco numa mesa de podcast”, como o uso equivocado de conceitos como física quântica, de meritocracia ou de co-criar sua conta bancária com um milhão de reais. eu sei. mas não estou falando disso, nem a outra Carol e ela não tirou tudo isso só do cérebro plástico dela. foi na base de muita pesquisa (viva a ciência, viva as universidades!). estamos falando de realmente manter nosso cérebro preparado para aprender.
e como fazemos isso? aprendendo. vou recorrer mais uma vez à Jo Boaler: “toda vez que aprendemos, nosso cérebro forma, fortalece ou conecta rotas neurais”. tem coisa mais bonitinha do que os neurônios fazendo conexões? e para que a gente realmente consiga aprender alguma coisa, tem dois elementos desse processo que não podem ficar de fora: esforço e erro.
quando eu decidi que ia aprender a dirigir (depois de muitos anos de bloqueio nesse assunto), eu tive que me esforçar. e continuo me esforçando. pra mim, não tem sido fácil e eu erro bastante. mas a chave, segundo quem entende de como o cérebro aprende, é ver o erro como oportunidade de aprendizado e não como fracasso. não conseguir passar a marcha, deixar o carro morrer, raspar a lateral na porta da garagem. posso encarar tudo isso como parte do aprendizado ou me considerar uma motorista fracassada. e isso vai dizer muito do que acontecerá em seguida na minha relação com a direção.
no mesmo sentido: cozinhei muito feijão sem graça, com pouco caldo ou faltando tempero até chegar o dia em que realmente senti prazer ao comer um feijão feito por mim. escrevi e reescrevi muitos trechos de ficção até que um conto meu me agradasse. tantos outros continuam não saindo do jeito que eu queria. mas, agora, já contei para o meu cérebro: ei, eu sei escrever ficção. e isso faz com que eu não empaque de vez.
breve lista de coisas que eu não sei fazer AINDA:
nadar, fazer cerâmica, pregar coisas na parede.
até a próxima,
Carol
Depois de muitos anos com medo de errar, estou passando a encarar meus fracassos como oportunidades. Vejo muitos benefícios nesta nova perspectiva.
AMEI essa reflexão, Carol! Espero que um dia consiga convencer meu cérebro a abaixar a guarda e me deixar escrever ficção haha Mas sei que continuarei usando a desculpa de que sou de humanas pra não fazer conta. Nada como aceitar as limitações que a gente mesmo se impõe simplesmente porque não se dá ao trabalho. Mas fico pensando muito nesse comodismo, na sensação de que com o passar do tempo vai ficando mais difícil aprender línguas, habilidades. Mas boa parte disso é a gente cansando de exercitar a massa cinzenta mesmo. Talvez o segredo esteja no caminho do meio - aceitar o que não queremos aprender (cansaço, falta de tempo, etc) e abraçar de vez nossa sede de continuar evoluindo em outras áreas.