dia desses, pela primeira vez na vida, olhei para o espelho e me vi mais velha. reconheci linhas que não existiam antes, percebi uma pele menos esticada, notei uma expressão mais cansada. por anos eu tive “cara de menina”, era comum que as pessoas achassem que eu era bem mais nova do que sou. talvez não só pelo rosto, mas também pelos meus 1,55m de altura, as tatuagens, piercings e, talvez, até pelas minha roupas. isso tudo continua, mais ou menos, no mesmo estilo. mas o meu rosto mudou. eu reparei e, de alguma forma, isso me afetou - do contrário, não viraria texto. mas não chegou a me afetar negativamente. foi um afetar, um mexer comigo, quase neutro. não me senti melhor nem pior com esse rosto, só diferente de quem eu era: “olha só, esse é meu rosto agora”. envelhecer me assusta sim, está entre um dos meus maiores receios. tenho medo de envelhecer sem memória, envelhecer sem mobilidade, envelhecer sem dinheiro, envelhecer sem ninguém que eu amo e que me ama ao meu lado. mas, ter medo de envelhecer com um rosto cheio de sinais que mostram que eu vivi muito, e ainda vivo, ainda existo, ainda respiro? não quero, não aceito. como diria nossa deputada: não tolerarei. talvez esse seja um pequeno grande ato de contracultura: manter nossos sinais, escancarar nossa idade. os filtros das redes sociais os eliminam todos. os cremes são antissinais, anti-idade, antienvelhecimento. pois eu sou a favor de muitos dos sinais que possam me mostrar que eu estou envelhecendo: minha filha crescendo e aprendendo coisas incríveis, minha confiança em ser eu mesma diante das pessoas, uma carreira profissional da qual eu me orgulho, as relações saudáveis e bonitas que construí com pessoas tão parecidas e tão diferentes de mim, a certeza de que eu não sei a verdade e não posso ter certezas irrevogáveis na maioria dos assuntos. são tantos os sinais de que eu estou, a cada dia, ficando mais velha. e isso é bom. o ruim é a visão que nós temos da palavra velha. coloquei no site de sinônimos e ele me disse: caduca, decrépita, engelhada, anciã, anosa, antiga, antiquada, arcaica, desusada, envelhecida, idosa, obsoleta. fica muito difícil mesmo gostar de ficar velha. é também pela falta - até então - de bons exemplos? porque a expectativa de vida sempre foi um tanto mais baixa aqui no Brasil, não é mesmo? e as condições de vida dos mais velhos também. pois eu que também não quero envelhecer e ser largado em um asilo como aqueles mostrados no programa de notícias quase sensacionalista do domingo à noite. mas a gente hoje pode ver Conceição Evaristo e Gilberto Gil escrevendo, falando para multidões, sendo aplaudidos. velhos. vivendo. transbordando de sinais de sua idade e de toda a paciência, disciplina, fé, luta e trabalho que colocaram no mundo para estarem hoje, aqui, velhos. minha bisavó Virginia foi uma mulher imigrante do início do século 20, criou seis filhas sozinha, trabalhou muitos anos na roça. morreu aos 91 anos, morando sozinha, cuidando das rosas e cidreiras do jardim. quando vejo uma foto dela sorrindo, só consigo pensar: que mulher bonita.
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Compactuo tanto desses pensamentos. Estar aqui e estar bem, e que o físico no quesito aparência não seja relevante...
Eita que você me deixou emocionada. Essa carinha da vovó é um alento para nossa velhice